quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Inspirei fundo, duas vezes.

Nenhuma das tentativas de diminuir a frequência cardíaca funcionava. Olhar o fundo me aterrorizava, embora tivesse certeza de minha escolha. Cerrei os olhos, e em minha mente anuviada apareceu aqueles que me importavam. Meu pai foi o primeiro a aparecer. Três cenas picotadas, na praia, no casamento, no cemitério… Por pouco menos de um segundo, minha mente pareceu indecisa, até que a imagem de uma de minhas melhores amigas se formara na mesma. O mais perto de família que um dia eu sonhei para alguém que de fato não era. Lembrei do parque de diversões, das risadas, da maconha até. Logo, outra menina veio em minha mente tal como o ar, elemento que ela representara tão bem. Desanuviou meus pensamentos, e trouxe a remota paz, algo tão utópico naquela hora. Tomou meu corpo e me fez desejar que fosse assim para sempre. Um sorriso tomou meus lábios, um sorriso que eu jamais imaginei naquele momento. Vieram outras lembranças, e voltaram a me atormentarem. Lembrava de meus irmãos tão pouco. Um suicidara, outra tivera overdose. Parecia a marca daquela família. Auge e solidão compactuavam tão bem quando se era um. A mais nova, aquela criança que sempre me deixava com um sorriso no rosto, apareceu em meus pensamentos um pouco depois. Bastarda, eu rezava todos os dias, para que ela não tivesse as tradições daquele sobrenome tão presente em seu sangue. Que pudesse sorrir como agora sorria, que pudesse falar de coisas banais e ser feliz. Tal como todos. Tal como todos diferentes de mim. A garota entrou em minha mente antes que pudesse conter qualquer coisa vinda dela. É porque doía pensar, talvez mais que todos. Não porque os outros não tivessem tal importância. É porque os outros me conheciam. Ela não. Ela conhecera uma versão de mim difícil de imaginar, difícil de colocar em palavras. Mas hoje a crise voltara. Não hoje. Parecia pressentir que voltaria durante toda a semana. As garrafas de vodka não ajudaram, eu seria capaz de confessar. Entretanto, se não fosse por elas, o suicídio teria vindo de forma muito mais rápida, e até dolorosa. Esperara, junto ao álcool, algumas doses de nicotina e por vezes, Prozac. Esperara que viesse de maneira tão suave quanto agora, como só minha crise podia proporcionar. Reabri os olhos, encarando o abismo que era possível enxergar ali do cume do Andes. Nunca estivera tão frio lá, embora questionasse se o frio era no local ou no em meu próprio coração. Encarei o fim, ali tão perto de mim. Apenas alguns passos. Sorri mesmo sem ter motivo, e deixei que meus pulmões reabastecessem de ar. E fechei os olhos novamente, tomando a iniciativa de alguns passos. Até que não encontrei o chão, e prossegui, fingindo que estava confiante do que fazia. Apenas deixei, e de olhos fechados, não encarei o fim.
(autor desconhecido)

Nenhum comentário:

Postar um comentário